Na coleção a seguir, uma gama de autoras e artistas refletem, ao longo de um século e meio, sobre o significado da bandeira negra, o estandarte anarquista da rebelião e da negação.
Repórter: “Há algumas pessoas aqui perambulando … bem, não exatamente perambulando, elas parecem organizadas. Eu não sei quem eles são, estão todos vestidos de preto, eles têm capuzes pretos e bandeiras pretas … uma bandeira sem nada nela. ”
Âncora: “Uma bandeira sem nada?”
Repórter: “Isso mesmo, é totalmente preta.”
Tina Modotti, “Mulher com Bandeira” — fotografia de uma mulher caminhando” com a bandeira negra dos Anarcossindicalistas” na Cidade do México em 1928.
Louise Michel: em luto por nossos mortos e nossas ilusões
Em novembro de 1880, a professora e matadora de policiais1 Louise Michel, com cinquenta anos, voltou à França após longo exílio no Pacífico Sul por sua participação na revolucionária Comuna de Paris de 1871. Durante seu exílio, suas concepções políticas amadureceram em um anarquismo consciente, opondo-se a todas as formas de hierarquia e opressão. Ela voltou imediatamente à organização radical em Paris.
De acordo com Maurice Dommanget,2 Louise Michel estava entre as primeiras a anunciar a bandeira negra como um emblema do movimento anarquista — muito embora veremos adiante evidências de que trabalhadores desconhecidos já haviam utilizado a bandeira negra por anos em Lyon e talvez em outros lugares também. Em 9 de março de 1883, Louise Michel utilizou uma anágua preta como bandeira em uma manifestação de desempregados e desesperados, durante a qual as participantes saquearam diversas padarias. Nove dias depois, em 18 de março, no décimo segundo aniversário da eclosão da Comuna de Paris, ela fez um discurso no clube radical Salle Favié na pobre região de Belleville em Paris:
“Chega de bandeiras vermelhas, encharcadas com o sangue de nossos lutadores. Eu levantarei a bandeira negra, em luto pelos nossos mortos — e pelas nossas ilusões.”
Em 22 de junho de 1883, Michel foi julgada pela manifestação de março do ano anterior. “Por que marchamos sob a bandeira negra?”, disse ela ao tribunal. “Porque esta é a bandeira das greves e ela indica que o trabalhador não tem pão.” A corte sentenciou Louise Michel a seis anos de prisão por “não ter feito nada para desencorajar os saques”.
Cobertura de jornal retratando Louise Michel em uma agitada manifestação em 9 de março de 1993.
Le Drapeau Noir: Guerra a todas as leis, códigos, juízes e policiais
Em 12 de agosto de 1883, logo após Louise Michel ser julgada em Paris, um novo jornal anarquista apareceu em Lyon, França, intitulado Le Drapeau Noir (“A Bandeira Negra”). Le Drapeau Noir teve apenas 17 edições com esse nome; foi apenas uma iteração de uma série de diferentes aparições da mesma publicação — intituladas de diversas formas, O Dever Social, o Padrão Revolucionário, A Luta, A Bandeira Negra, O Motim, O Desafio, A Hidra Anarquista, O Alarme e “O Dever Anarquista* – que foi forçado a ´mudar de nome constantemente para escapar da repressão e censura de Estado.
No primeiro artigo deste jornal, intitulado “A Primeira Aparição da Bandeira Negra: Aos Anarquistas”, os editores expuseram suas aspirações:
Há alguma necessidade de um programa quando levamos o título “A Bandeira Negra” para o nosso jornal? Já não estamos indicando qual será nossa linha de atuação? Ao tomar este título, inspiramo-nos na história local da cidade de Lyon, pois é nas alturas de Croix-Rousse e Vaisse que os trabalhadores, movidos pela fome, o exibiram pela primeira vez, em sinal de luto e vingança, tornando-o, assim, o emblema das reivindicações sociais. Ao tomar este título, portanto, significa que estaremos sempre do lado dos trabalhadores contra os exploradores, do lado dos oprimidos contra os opressores.
É um compromisso que não falharemos, inspirando-nos na campanha que nossos antecessores iniciaram com O Dever Social, O Padrão Revolucionário e A Luta; veremos A Bandeira Negra hastear na linha de frente no ataque que anarquistas realizam contra esta velha sociedade corrupta, que já está tremendo em seus alicerces; um órgão de luta e combate, A Bandeira Negra fará guerra a todos os abusos, todos os preconceitos, todos os vícios, todas as hipocrisias, que, sob o nome de instituições sociais, estão neste momento a juntar forças para retardar a queda deste podre e velho mundo, que, entregue a seus próprios recursos, logo entraria em colapso sob o peso de suas infâmias.
Adeptos da liberdade absoluta, vamos guerrear contra todos esses pseudo-liberais, legisladores, que só entendem a liberdade quando bem regulada, pois acreditamos que a liberdade só é real se não for impedida; vamos fazer guerra às leis, códigos, juízes, policiais e todas as instituições cujo objetivo real é restringir essa liberdade, que proclamamos tão alto, e promover a exploração das massas por uma minoria privilegiada.
No segundo artigo, os editores passaram a deixar claro o motivo de sua preferência pela bandeira preta:
“Acontecimentos, fatos cotidianos, deixaram claro para nós que a bandeira vermelha, tão gloriosamente derrotada, pode muito bem, se vitoriosa, obscurecer com suas dobras flamejantes os sonhos ambiciosos de alguns conspiradores egoístas. Pois já abrigou um governo e serviu de padrão para uma autoridade constituída. Foi então que compreendemos que já não podia ser nada para nós, os ingovernáveis de todo dia e os rebeldes de toda hora, mas um constrangimento ou uma ilusão.”
Edição de lançamento de Le Drapeau Noir, 12 de agosto de 1883.
O Alarme: O Emblema da Fome
De acordo com o jornal anarquista The Alarm, anarquistas nos Estados Unidos marcharam com a bandeira negra pela primeira vez em 27 de novembro de 1884, Dia de Ação de Graças, numa manifestação que apelava explicitamente à abolição forçada da propriedade e do trabalho assalariado. As seguintes citações foram extraídas de um artigo intitulado “A Bandeira Negra: O Emblema da Fome Desfraldada pelos Proletários de Chicago”, na edição de 29 de novembro de 1884 desse jornal.3
O dia escolhido, quinta-feira, 27 de novembro, abriu com granizo e chuva. O vento soprava forte e gelado e deixava uma sensação de ardência e desconforto na parte exposta do rosto ou das mãos. Na hora anunciada, 14h30, mais de três mil pessoas estavam reunidas na Market Street, entre Madison e Randolph. A mistura de chuva e granizo caía impiedosamente de cima, enquanto o solo abaixo estava coberto de lama e água. A hostilidade do clima mostrou um pouco do espírito que deve existir nas pessoas que não foram dissuadidas por ele.
O primeiro orador declarou a manifestação “uma reunião de gente dedicada à humanidade” e apresentou uma crítica ao capitalismo:
Agora, quando o mercado está saturado de roupas, as fábricas fecham e milhares de pessoas ficam desempregadas e, consequentemente, privadas dos meios para obter qualquer excesso dessa produção, e o resultado é que pessoas devem ficar maltrapilhas porque há muito muitas roupas no país. Isto é verdade para todas as outras coisas. As pessoas têm de viver ao relento, porque há demasiadas casas no país. Há tantas casas desocupadas que não há procura por mais e, portanto, os construtores estão ociosos e não conseguem ganhar dinheiro para pagar o aluguel. Pense nisso! Esfarrapados porque há muita roupa no país. Vivendi na rua porque há muitas casas no país. Com fome porque há muito pão no país e com frio porque há muito carvão no país. Isso pode continuar? Existe um homem tão cego que não consegue ver que este sistema deve ser mudado?
Entre os outros que subiram ao pódio estava o anarquista August Spies, que foi posteriormente assassinado pelo Estado em 1886 na tragédia de Haymarket, em Chicago.
O próximo orador foi August Spies. Ele apontou para a bandeira negra e disse que esta é a primeira vez que o emblema da fome e da inanição é desenrolado em solo americano. Representa que essas pessoas começaram a atingir a condição de fome dos países mais antigos. Temos que acabar com esses ladrões que estão roubando os trabalhadores.
Após os discursos, a marcha começou:
Duas grandes bandeiras, uma preta e outra vermelha, encabeçavam a procissão. Mais ou menos no meio da procissão, havia [sic] mais duas bandeiras grandes, uma preta e outra vermelha.
A marcha foi concluída nos escritórios do The Alarm e do Arbeiter Zeitung, nº 107 da Quinta Avenida.
Aqui, a multidão reuniu-se entre os acordes do [hino revolucionário francês] ‘Marseillaise’, o agitar da bandeira preta e vermelha e os aplausos do proletariado completamente abusado.”
Uma bandeira negra no Pólo Sul.
Sergei Eistenstein: Bandeiras Vermelhas, Bandeiras Negras, Bandeiras Brancas
No primeiro filme soviético Encouraçado Potemkin, o diretor Sergei Eisenstein desejava retratar os rebeldes levantando uma bandeira vermelha sobre o navio de guerra. Mas o filme em preto e branco da época transformava a cor vermelha em preta. Para conseguir o efeito que desejava, ele teve que filmar as cenas com uma bandeira branca no lugar de uma vermelha, depois mandar pintar a bandeira de vermelho à mão, quadro por quadro. O golpe de propaganda resultante atraiu aplausos estrondosos dos dedicados bolcheviques.
Há aqui uma pesada metáfora sobre quem realmente fez a Revolução Russa e como ela foi retratada depois. Cada bandeira realmente vermelha parece uma bandeira negra para a história, e essas bandeiras foram posteriormente subtraídas da narrativa oficial – enquanto as famosas bandeiras vermelhas da propaganda estatal, amplamente divulgadas, eram na verdade… as bandeiras brancas da rendição.
Tropas amotinadas levantam a bandeira vermelha no Encouraçado Potemkin. Ou será que não?
André Breton: As Cores da Liberdade
O seguinte texto do surrealista sênior André Breton apareceu originalmente em Arcane 17 em 1945. Foi traduzido para o inglês em The Rebel Worker #7, em dezembro de 1966, e reimpresso em Dancin’ in the Streets: Anarchists, IWWs, Surrealists, Situationists, & Provos na década de 1960 — conforme registrado nas páginas de The Rebel Worker & Heatwave.
Dispostas acima de nossas cabeças, as janelas em forma de bandeira para sempre apagadas continuavam a absorver sua medida de ar. Tinham as dimensões daquelas bandeiras de pano vermelho que em Paris flanqueiam certas obras nas estradas e das quais se destaca, em grandes letras pretas, separadas por pontos, a inscrição “SADE”, que muitas vezes me vistou nos sonhos.
A bandeira vermelha, livre de qualquer marca ou inscrição – esta bandeira sempre verei com a mesma visão que tive aos dezessete anos, durante uma manifestação popular pouco antes da outra guerra; Vi-a desenrolar-se aos milhares, baixo no céu do Pré Saint-Gervais. E, no entanto, sinto que o raciocínio é impotente para intervir aqui – o meu pulso continuará a bater ainda mais poderosamente quando me lembrar do momento em que este mar extravagante, em alguns lugares fluindo mas de forma tênue e restrita, foi perfurado pelo voo crescente de bandeiras negras.
Naquela altura eu não tinha muita consciência política e devo admitir que fico perplexo quando me encarrego de avaliar que grau de consciência atingi agora. Mas, mais do que nunca, as correntes de simpatia e antipatia parecem-me suficientemente fortes para exigir a sujeição da ideologia; e sei que meu coração estava batendo, ainda está batendo, pelo próprio movimento daquele dia. Nas galerias mais profundas do meu coração redescobrirei sempre o vaivém dessas inúmeras línguas de fogo, entre as quais algumas permanecem para lamber uma maravilhosa flor carbonizada.
Dificilmente a geração atual será capaz de imaginar um espetáculo dessa ordem. O coração do proletariado ainda não tinha sido dilacerado por inúmeras facções. A tocha da Comuna de Paris estava longe de se extinguir; havia muitas mãos ali que seguravam aquela tocha — uma tocha unindo todos em sua grande luz, que teria sido menos bela, menos verdadeira, sem algumas espirais de fumaça espessa. Tanta fé individual desinteressada, tanta resolução e ardor podiam ser lidos nesses rostos; tanta nobreza também nos veteranos. Em torno das bandeiras negras, é claro, o efeito do puro sofrimento físico podia ser sentido com mais força, mas a paixão realmente havia se incendiado em alguns olhos, deixado ali pontos inesquecíveis de excitação. Sempre parecerá que a chama se espalhou por todos eles, queimando-os apenas com menos ou mais intensidade; servindo para manter alguns nas suas exigências e esperanças absolutamente realizáveis e bem fundamentadas, enquanto leva outros, mais raramente, a esgotarem-se imediatamente numa atitude inexorável de sedição e desobediência.
A condição humana é tal (independentemente da situação social ultra-modificável que o homem assumiu) que esta última atitude, especialmente da qual não falta na história do intelecto de respondentes ilustres, sejam eles Pascal, Nietzsche, Strindberg ou Rimbaud, sempre me pareceu absolutamente justificável no plano emotivo, deixando sem levar em conta as razões puramente utilitárias pelas quais a sociedade pode reprimir tal atitude. Somos obrigados pelo menos a reconhecer que só ela é marcada por uma grandeza infernal. Jamais esquecerei a exaltação e o orgulho que me dominaram quando, ainda criança, fui levado pela primeira vez a um cemitério, ao descobrir, entre tantos monumentos deprimentes ou ridículos, uma laje de granito gravada em letras maiúsculas vermelhas o magnífico dispositivo Nem Deus Nem Mestres. A poesia e a arte manterão sempre uma preferência por tudo o que transfigura a humanidade na exigência desesperada e irredutível que, de vez em quando, tem uma oportunidade irrisória de fazer na vida.
O fato é que também sobre a arte e a poesia, gostemos ou não, há uma bandeira vermelha e preta. Também aí o tempo é urgente. Trata-se de garantir que da sensibilidade humana se extraia tudo o que ela é capaz de dar. Mas de onde vem essa aparente ambiguidade quanto à cor?
Talvez não seja dado a nenhum homem agir de acordo com a sensibilidade de outros homens para moldar e ampliar essa consciência, exceto ao preço de se oferecer como sacrifício a todas as forças dispersas da alma do seu tempo: forças que, em geral, só se procuram na tentativa de pronunciar exclusões mútuas. É neste sentido que tal homem é, sempre foi e, por um decreto misterioso destas forças, deve ser ao mesmo tempo sua vítima e seu carrasco. Assim, o mesmo acontece necessariamente com o gosto pela liberdade humana que, chamado a alargar o seu campo de receptividade a todos em proporções praticamente infinitas, atrai sobre uma única pessoa todas as terríveis consequências do excesso. A liberdade não consente em acariciar esta terra, exceto levando em conta aqueles que conheceram, ou pelo menos conheceram parcialmente, à beira da loucura.
Uma bandeira negra no Pólo Sul. O artista Santiago Sierra [ver apêndice] ajudou a coordenar a colocação de bandeiras negras nos Pólos Norte e Sul em 2015, como um gesto de desafio ao colonialismo nacionalista.
Jean Genet: “O tipo de revolução que eu gostaria de ver”
Quando fui convidado pelas Relações Culturais Cubanas, disse: “Sim, gostaria muito de ir a Cuba, mas com uma condição: pagarei a minha viagem, pagarei a minha estadia lá, e irei para onde quiser e ficarei onde quiser”, e também disse: “Gostaria muito de ir, se for realmente o tipo de revolução que gostaria de ver, isto é, se não houver mais bandeiras, porque a bandeira, como sinal de reconhecimento, como emblema em torno do qual se forma um grupo, tornou-se uma peça castradora e mortal de teatralidade. E o hino nacional? Pergunte-lhe se já não existe uma bandeira cubana e um hino nacional”.
-Jean Genet, em entrevista para Hubert Fichte
Howard J. Ehrlich: Por que a Bandeira Negra?
Extraído de Reinventing Anarchy, Again.
A bandeira negra é o símbolo da anarquia. Evoca reações que vão do horror ao deleite entre aqueles que o reconhecem. Descubra o que isso significa e prepare-se para vê-lo em cada vez mais reuniões públicas… Anarquistas são contra todos os governos porque acreditam que a vontade livre e informada do indivíduo é a força máxima dos grupos e da própria sociedade. Anarquistas acreditam na responsabilidade e iniciativa individual e na cooperação sincera de grupos compostos por indivíduos livres. O governo é o oposto deste ideal, confiando na força bruta e na fraude deliberada para acelerar o controlo de muitos por poucos. Se este processo cruel e fraudulento é validado por conceitos míticos como o direito divino dos reis, eleições democráticas, ou um governo revolucionário popular faz pouca diferença para anarquistas. Rejeitamos todo o conceito de governo e postulamos uma confiança radical na capacidade de resolução de problemas dos seres humanos livres.
Por que nossa bandeira é preta? O preto é um tom de negação. A bandeira preta é a negação de todas as bandeiras. É uma negação da nacionalidade que coloca a raça humana contra si mesma e nega a unidade de toda a humanidade. Preto é um clima de raiva e indignação por todos os crimes hediondos contra a humanidade perpetrados em nome da lealdade a um estado ou outro. É raiva e indignação pelo insulto à inteligência humana implícito nas pretensões, hipocrisias e trapaças baratas dos governos… O preto também é uma cor de luto; a bandeira negra que anula a nação também lamenta as suas vítimas – os incontáveis milhões de assassinados em guerras, externas e internas, para maior glória e estabilidade de algum Estado sangrento. Lamenta aqueles cujo trabalho é roubado (tributado) para pagar o massacre e a opressão de outros seres humanos. Lamenta não só a morte do corpo, mas também a paralisação do espírito sob sistemas autoritários e hierárquicos; lamenta os milhões de células cerebrais apagadas sem nunca ter a oportunidade de iluminar o mundo. É uma cor de tristeza inconsolável.
Mas o preto também é lindo. É uma cor de determinação, de resolução, de força, uma cor pela qual todas as outras são esclarecidas e definidas. O preto é o misterioso entorno da germinação da fertilidade, o terreno fértil de uma nova vida que sempre evolui, se renova, se refresca e se reproduz na escuridão. A semente escondida na terra, a estranha jornada do espermatozoide, o crescimento secreto do embrião no útero, tudo isso a escuridão envolve e protege.
Portanto, o preto é negação, é raiva, é indignação, é luto, é beleza, é esperança, é a promoção e o abrigo de novas formas de vida humana e de relacionamento nesta e com esta terra. A bandeira negra significa todas essas coisas. Temos orgulho de carregá-la, lamentamos ter que fazê-lo, e aguardamos ansiosamente o dia em que tal símbolo não será mais necessário.
A artista de Hong Kong, Kacey Wong, levantando uma bandeira negra: “Simboliza luto, dor, resistência e poder para lamentar esta cidade moribunda. Também expressa o espírito resistente de ‘Vivemos livres ou morremos’”.
Anônimo: o oposto da rendição
Tive a sorte, há alguns anos, de estar presente em uma pequena cidade no Sul dos Estados Unidos, quando um jovem punk mostrava ao seu irmão ainda mais novo a casa coletiva para a qual ele havia se mudado recentemente.
“O que significa a bandeira preta?” perguntou o irmão mais novo, referindo-se ao quadrado de tecido puído exposto na varanda da frente.
Aguardei a resposta com alguma curiosidade, pois inferi que poderia ser a primeira vez que o irmão mais velho era convidado a explicar as complexidades da doutrina anarquista.
“Ah, aquilo?” o punk respondeu. “É tipo… o oposto da rendição.”
Apêndice: Sobre a Identidade Anarquista
Questionado se ele próprio era anarquista, Santiago Sierra respondeu: “Considero o anarquismo uma filosofia política e comportamental com a qual me identifico plenamente. Contudo, o anarquismo é, acima de tudo, moralidade e implica um modo de vida sem concessões. Nesse sentido, eu não estaria, tanto, porque a minha vida está longe da de qualquer militante anarquista.”
Esta humilde resposta lembra a resposta do estudante chileno José Domingo Gómez Rojas quando o ministro especial José Astorquiza exigiu saber se ele era anarquista: “Não tenho, caro ministro, disciplina moral suficiente para assumir esse título, o qual nunca merecerei.” Mesmo assim, Gómez Rojas foi assassinado pelo Estado chileno enquanto estava sob custódia.
O importante é destruir os mecanismos que centralizam a violência e o controle.
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“Eles têm uma bandeira negra a meio mastro pela esperança e pela melancolia que carregam pela vida, facas para cortar o pão da amizade e algumas armas enferrujadas para nunca esquecerem. Eles não são um em cem, mas mesmo assim existem. Eles ficam de braços dados de alegria. E para isso estão sempre de pé. Os anarquistas.”
-Léo Ferré, “Les Anarchistes,” que ele executou pela primeira vez em 10 de maio de 1968, no encontro anual da Federação Anarquista na Mutualité em Paris, coincidindo com a explosão de barricadas que levaram a uma revolta nacional e greve geral.
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De acordo com a edição de 10 de abril de 1871 do jornal oficial da Comuna, “Há uma mulher enérgica lutando nas fileiras do 61º Batalhão. Ela matou vários soldados e policiais”. George Clemenceau confirma que se tratava de uma questão de vida ou morte: “Para não ser morta, ela matou outros… Como ela escapou de ser morta cem vezes diante de meus olhos, eu nunca saberei. Só a observei por uma hora.” ↩
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Documentado em The History of the Red Flag, from Its Origins to the War of 1939. ↩
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Aparentemente, a bandeira negra representava a própria fome antes de se tornar o estandarte daqueles que têm fome de um mundo sem opressão. Por exemplo, na edição de 17 de novembro de 1861 do New York Times, um artigo de primeira página que inclui reportagens sobre a escassez de alimentos na Carolina do Sul tem como subtítulo “A Bandeira Negra na Carolina do Sul”. ↩